Comédia vence guerra de audiências

O público amante das artes cénicas em Moçambique consome, cada vez mais, espectáculos de humor ou de comédia e a tendência tem, sobretudo, vindo a ser impulsionada pela aparição de actores que abraçam novos géneros artísticos.

Lucrecia

Nesse sentido, os vulgo Stand Up comedians e os contadores de piadas já começaram a tomar os palcos de assalto e seus argumentos escritos são encenados com alguma picardia e com o objectivo de provocarem risadas intermináveis em troca de um bom cachet. Os sociólogos Carlos Serra, no decorrer de um debate televisivo no canal STV e Carlos Osvaldo, no âmbito uma oficina de teatro realizada no Centro Cultural Franco Moçambicano em 2011, explicam que essa apetência pelo humor decorre do facto de Moçambique ser uma sociedade que não quer, sob circunstância alguma, recordar-se dos vestígios da guerra. A própria televisão já se apercebeu da preferência das suas audiências pelo humor e oferece cada vez mais tempo de antena a programas humorísticos e de recorte social, onde os contadores de histórias mundanas e as fofocas bem temperadas predominam. Não há nada como ir beber experiências ao quotidiano e a proximidade em relação aos temas abordados e situações vividas parece ganhar mais interesse. À parte a veia dramática que o teatro pode suscitar, o que se constata é que no braço de ferro entre géneros quem ganha é a comédia. Com efeito, o teatro empresta cada vez mais os seus actores cómicos a programas televisivos de humor, como «Sorriso», «Otheya» ou mesmo «Feijão com Todos». Esta “migração” dos artistas fez com que os espectadores passassem a ficar, não só agarrados aos assentos das salas de teatro como ao conforto das suas próprias salas com os olhos pregados no ecrtã de TV. E todos os canais televisivos paracem investir em produções que alimentam a boa disposição como um meio simples de garantir os shares.

Mutumbela Gogo vs. Gungu

Dois grupos de teatro que se assumem como referência no mercado moçambicano - Mutumbela Gogo e Gungu - comprovam a febre de que o público de Maputo parece ‘padecer’ pela comédia, sobretudo a de fácil consumo. Enquanto o primeiro aposta em produzir espectáculos de dramaturgos clássicos, sobretudo os de origem europeia, o segundo opta por narrar factos de recorte actual vividos ao vivo e a cores no quotidiano moçambicano. A opção da companhia Gungu tem resultado num sucesso de bilheteira fora do comum. Situações há em que, esgotados os 700 lugares do Cine Teatro Gilberto Mendes, os espectadores chegam mesmo a sentar-se no chão para libertar uma bela gargalhada. O tempo que uma peça da companhia Gungu fica em cartaz geralmente é de seis meses, o máximo de tempo que em média se consegue em Moçambique. Mas o recorde foi alcançado pela comédia «A Guerra das Sogras», que conseguiu a proeza de lotar as salas durante um ano. No que diz respeito ao grupo de teatro Mutumbela Gogo, a sua opção recai pela interpretação de uma dramaturgia direcionada em larga medida para um segmento de audiência restrita, mais composta por uma classe que vai da média à alta. Contudo, e muito dificilmente, as peças conseguem ficar em cartaz durante mais de dois meses. O Mutumbela, desde a década passada, possui um vasto mercado a nível internacional, cujo segmento se identifica com o seu estilo. São estes mesmos palcos que actualmente não se cansam de requisitar a peça «A Cavaqueira do Poste», representada por um grupo de teatro denominado ‘Lareira’ e que é considerado também um outsider. A comédia deste, feita com ferramentas contemporâneas, já conquistou Brasil e Portugal. Ao mesmo tempo, Angola, Cabo Verde e Macau já manifestaram interesse em apreciar «A Cavaqueira do Poste» nos seus palcos. Por outro lado, a chegada do Stand Up comedy a Moçambique, um género geralmente feito sem acessórios, cenários, caracterização, personagem e sem o recurso teatral da quarta parede, aguçou ainda mais o apetite pelo humor. O género artístico, trazido a Moçambique pelo grupo ImproRiso, arrasta multidões para as já famosas Noites de Stand Up Comedy no Cine Teatro Gilberto Mendes e também para algumas Casas de Pasto. A equipa que compõe o grupo ImproRiso tem a noção perfeita de que o apetite da população de Maputo e arredores pelo humor é voraz e representa uma séria oportunidade de profissionalização. Aliás, o preço alto cobrado aquando da visita a Maputo de grandes humoristas internacionais, como os portugueses Herman José e Fernando Rocha, assim como o brasileiro Bruno Motta, não coibiu ninguém de comprar o ingresso, apesar das conhecidas dificuldades financeiras que os locais enfrentam.

Gilberto Mendes é o mais conhecido e Lucrécia Paco é a preferida

Resultados de uma pesquisa desenvolvida recentemente pela empresa moçambicana de consultoria PCBCX – Consultoria de Marketing e Pesquisa de Mercado, revelam que apenas 20% da população residente na província e cidade de Maputo costuma ir ao teatro com alguma regularidade. 56 por cento dos indivíduos não costumam ir ao teatro por nítida falta de tempo, ao passo que a falta de oportunidade, a distância e as condições financeiras insuficientes são outros dos motivos indicados para justificar a não adesão dos inquiridos às peças teatrais. Por outro lado, são os indivíduos mais velhos os que apresentam uma maior propensão para não ir ao teatro. Gilberto Mendes é o actor de teatro mais conhecido pela população residente, com 68 por cento. Lucrécia Paco e Adelino Branquinho são os actores que ocupam a segunda e a terceira posições neste ranking de notoriedade, com 24 e 22 por cento, respectivamente. É de destacar, no entanto, que cerca de um quarto da população residente não sabe indicar o nome de qualquer actor. O mesmo estudo mostra que Gilberto Mendes é o actor preferido por 31 por cento da população residente na província e cidade de Maputo, seguido por Vasco Condo, Mário Mabjaia e Adelino Branquinho, com 7, 5 e 4 por cento, respectivamente. Ao mesmo tempo, Lucrécia Paco é a actriz preferida por 15 por cento da população, seguida pelas actrizes Cândida Bila e Joanette Rombe, com 9 e 6 por cento, respectivamente. É importante referir que quase um terço da população residente na província e cidade de Maputo não sabe indicar o nome de qualquer grupo de teatro. Não obstante, em termos de grupos de teatro, o Gungu é o mais conhecido (63%) seguido pelo Mutumbela Gogo (41%). Gungu é também o preferido (49 por cento dos residentes), seguido pelo Mutumbela Gogo, apenas com 6 por cento. Por último, e além de ir ao Teatro, passear, ver televisão e ler (jornais, revistas, bíblia ou outros livros) são as principais actividades de ocupação dos tempos livres dos inquiridos, com 18, 16 e 16 por cento, respectivamente.


Helga Nunes (In África 21)

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